sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Como fazer com que o nosso voto conte



Uma boa parte (embora minoritária) dos eleitores vota sempre num mesmo partido. Porque, seja qual for o partido em que votam, o consideram “o seu”, façam ou não formalmente parte dele.
Para as pessoas com este legítimo padrão de voto, não se coloca a questão de em quem votar, nem de que o seu voto conte. O seu voto conta sempre, porque é contabilizado no apoio ao “seu” partido, independentemente de outras consequências políticas. E, face à sua avaliação e opção que sentem como permanente e definitiva, torna-se-lhes em muitos casos difícil conceber como é que os outros não vêem aquilo que é, para si, tão evidente.

Mas são os restantes votantes (e, de forma indirecta, os não-votantes) quem decide os resultados das eleições, a partir desse quadro relativamente estável. E decidem, muitas vezes involuntariamente e a contra-gosto, os resultados governativos que delas acabam por sair.
Para esta maioria, particularmente na situação social e económica que vivemos, a preocupação e busca é que o seu voto conte. Ou então, o desinteresse vem da sensação de que o seu voto não contará para nada.

Isto porque, se é verdade que elegemos deputados e não primeiros-ministros, votamos tendo em vista as soluções governativas e políticas públicas que mais nos agradem ou, para muitos, que menos nos desagradem. Ou abstemos-nos por acharmos que o nosso voto nada contaria para decidir isso.

Não obstante, poucas vezes um voto (ou uma abstenção) terão contado tanto como no próximo domingo. E poderão contar para coisas muito diferentes.

Paradoxalmente, é de certa forma pouco relevante quem fique em primeiro lugar nestas eleições. Seja o PS ou seja (como incrivelmente parece vir a tornar-se possível) a coligação PSD/CDS, nunca poderão governar apenas de acordo com a sua vontade. E poderão mesmo não vir a governar, ficando em primeiro lugar.
Mas paradoxalmente, também, isso é uma razão suplementar que dá importância a cada voto e ao próprio facto de se escolher votar ou não .

Imaginemos que fica em primeiro lugar a coligação PSD/CDS. Só poderá ser governo se os partidos de esquerda (que certamente ficarão em maioria, no seu conjunto) deixarem. No mínimo, o PS teria que se abster na votação do Orçamento de Estado e do Programa de Governo apresentados pela direita. É fácil que isso não aconteça (sobretudo se existirem perspectivas de diálogo governativo à esquerda, mas já lá vamos) se a coligação de direita ganhasse com uns 35 ou 37%. Mas se conseguissem uns 40%, dificilmente o PS teria coragem para inviabilizar à partida um governo de direita.
Por isso, ir votar (seja em quem for) não é irrelevante para qualquer pessoa que não queira continuar a ter Passos Coelho como primeiro-ministro. Quanto mais pessoas fartas de Pedro & Paulo ficarem em casa, maior será a percentagem que estes obterão com o mesmo número de votos, e maiores serão as suas condições para serem governo, mesmo que minoritário.

Imaginemos agora que, conforme toda a gente dava por garantido há um mês atrás, o PS fica em primeiro lugar. Tão pouco ele poderá governar sozinho. Ou terá que se encostar à direita, ou terá que procurar e conseguir formar um governo com pelo menos parte da esquerda, ou terá que negociar um acordo parlamentar à sua esquerda para suportar um governo minoritário, seja ele monocolor ou de coligação. (Opções que, aliás, também se colocam caso fiquem em segundo lugar, mas com uma confortável maioria de esquerda no parlamento).

Costa declarou que não faria governo com Passos Coelho. Mas «a leitura da vontade do eleitorado, expressa nos resultados eleitorais», «a defesa do interesse nacional», e coisa e tal, podem facilmente voltar a saltar para o discurso político, para justificar uma solução de mais do mesmo.
No entanto, essa possibilidade bem real será tanto menos provável - e terá tanto menos espaço para ocorrer - quanto maior for a votação obtida pelos partidos à esquerda do PS. (E, claro está, quanto maior for a capacidade destes para terem abertura de diálogo e para obterem dele os melhores resultados negociais - mas isso já são condições que transcendem o nosso acto de votar, embora sejam por ele influenciadas.)

Por outro lado, o peso da votação à esquerda do PS não contribui apenas para evitar um regresso à continuidade do mesmo, sob formas ligeiramente diferentes. Potencia também (por via da necessidade de dialogar e negociar, e com participações governativas ou sem elas) o compromisso, mesmo que parcial, com as políticas e soluções que são consensuais ao longo da esquerda. Políticas que, sendo para uns o mínimo dos mínimos e constituindo para outros esquerdismos a que prefeririam fugir, são o essencial da ruptura com o actual e calamitoso estado das coisas.

Quero com isto dizer que, para quem esteja insatisfeito com aquilo que vivemos nos últimos 4 anos, há duas hipóteses racionais, em função da forma como se situe a si própri@ relativamente ao espectro politico-partidário:

a) se tem concordância e satisfação com as propostas avançadas pelo PS e/ou tem nesse partido uma confiança muito superior à média, entre os cidadãos portugueses, deverá votar PS;

b) se quer assegurar que o seu voto conte - para além da sua mera contabilização no partido em que vote - para maximizar as possibilidades de uma política governativa de ruptura com a lógica austeritária e de destruição do nosso contrato social, deverá votar no partido que, à esquerda do PS, mais lhe agrade ou menos lhe desagrade, de entre aqueles que parecem ter condições para atingir representação parlamentar. Por ordem de antiguidade, CDU, BE ou Livre.

Não votar não é uma terceira hipótese. Neste quadro, é uma mera irracionalidade.


(A menos que não se reconheça legitimidade à democracia representativa. O que é legítimo. Mas é também, no quadro presente, um mero demissionismo.)

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