sábado, 23 de novembro de 2013

Será que os políticos andam a dar ouvidos aos cientistas sociais?

Não é habitual que os políticos (e os poderosos em geral) dêem ouvidos a cientistas sociais.

Isto excepto, claro está, quando um modismo tenha metamorfoseado o estatuto de um deles no de augure, de quem qualquer opinião trivial, enquanto cidadão e acerca de algo que nunca estudou, deverá suscitar a reverência devida à omnisciência da palavra revelada.

Menos habitual é, ainda, quando os cientistas sociais dêem em dizer coisas que saiam dos caminhos traçados e, sobretudo, daquilo que querem ouvir.

Não obstante, ao ouvir ontem Mário Soares alertar para o perigo de violência pública e para o carácter perigoso do medo, não pude deixar de notar que o conteúdo das suas declarações, que tanto brado estão a dar, me era muito familiar, em coisas que foram ditas e escritas há mais de um ano, sem aparentes consequências.

Claro que os cientistas sociais (quando não sejam apontados como augures, que se espera digam "eu cá acho que...") têm que ser um bocado mais complicados e enfadonhos.
Por exemplo, não podem limitar-se a dizer "Vem aí porrada!". Têm que argumentar e demonstrar porquê, como, através de que mecanismos, a partir de que factores e combinações entre eles.
Tal como aconteceu na curta comunicação que é visível a partir da 1 hora e 1 minuto deste vídeo.



Por ser verdade, os pobres dos cientistas sociais podem até ter que explicar, chatos que são, que a existência dos principais factores para que a porrada ocorra não significa que ela inevitavelmente aí venha.
Que mais importante do que a existência desses factores é a forma complexa e dinâmica como eles interajam entre si e com muitos outros factores (entre os quais o medo, mas já lá vamos), mas que, resultando eles das actuais políticas, a única forma de garantir a segurança pública é reverter essas políticas.

O que, claro está, se não os livra de eventuais admostações dos seus "mais velhos" pela divulgação pública do atrevimento das suas conclusões, diminui um bom bocado o nível de sound bit da coisa.

É isso que faz com que os seus alertas tenham quase sempre um impacto muito reduzido?
Não creio. Terá mais a ver com quem os faz - tanto no que diz respeito à notoriedade pública, quanto por ser cientista social acabar por constituir uma desvantagem, quando se sustenta algo de novo e indesejado.

Também os resultados potencialmente perigosos da instigação do medo, ontem aflorados en passant por Mário Soares, me trouxeram de imediato à memória uma outra xaropada, daquelas com argumentos em vez de opiniões, publicada há quase 2 anos. Chamava-se a coisa "O medo, suicídio e eutanásia da cidadania", imaginem.

Será coincidência, a integração dessas questões, ontem, numa passagem central do violento e badalado discurso de um dos mais conhecidos políticos?
É, claro está, muito possível. Pode chegar-se à mesma conclusão por muitos caminhos, em muitas cabeças sem contacto entre si. E o agravamento das situações pode tornar quase evidente o que tempos antes só era dedutível.

Mas... e se isso quer dizer que os políticos andam a dar ouvidos, mesmo que com mais de um ano de atraso, aos cientistas sociais?

Ou, assim sendo, serão só os que já estão reformados, e se sentem livres para dizer o que querem?

Ou será  que o que manda são os timings da utilidade para o discurso político, e não a relevância social desse discurso científico, já antes desse timing chegar?

Curiosidades que me ficam. Porque têm implicações que vão muito para além deste caso.

Sem comentários: