Foi também exibida uma notável reportagem televisiva, acerca das negociatas do ensino privado que ( conforme é também comum noutras áreas) verdejam à custa das benesses de dinheiros públicos, de legislação desrespeitada ou refeita à medida e do esvaziamento, por parte do estado, das condições básicas nas suas próprias instituições.
Pelo meio, foram sendo caladas (por desconhecimento ou até porque anarcamente beliscam crenças consensualizadas, acerca da justeza e benignidade intrínsecas dos sistemas de ensino) duas questõezinhas básicas, há muito salientadas pela antropologia/sociologia da educação:
1) que, para além de aquilo que a escola estimula, exige e avalia ser a capacidade quantitativa de reproduzir afirmações consideráveis como as únicas certas, tanto o privilegiar dessa competência (em detrimento de outras) quanto o objecto a que ela se aplica privegiam e impõem, enquanto critério universal de hierarquização de capacidades individuais, aquelas que são valorizadas e auto-atribuídas a grupos sociais específicos, socialmente dominantes;
2) que, mesmo com a massificação da escolaridade e o enorme alargamento do espectro social que nela investe enquanto instrumento de "mobilidade social" para os seus filhos, tanto o grau de valorização, quanto aquilo que valorizam e esperam da escola é significativamente diferente para grupos sociais diversos - e, por estensão não automática, para os indivíduos inseridos em cada um deles que são submetidos à escolarização.
Mas, para lá dessas picuinhices que nos podem pôr a reflectir acerca do que não devemos, vale também a pena saber deste estudo da Universidade do Porto, que conclui algo de contra-intuitivo, mas que de que muitíssimos professores universitários se apercebem: os alunos de colégios privados tendem a ter piores resultados no ensino superior do que aqueles que são oriundos da escola pública.
A julgar pelas áreas que me são mais próximas, aliás, os topos dos rankings são ainda mais eloquentes.
Por exemplo, os melhores alunos de sempre em antropologia e sociologia andaram na escola pública. Pelo menos um, era trabalhador-estudante. Há casos em que não poderiam pagar as propinas actuais, nem teriam legalmente direito a bolsa.
Estes dados tornam-se menos contra-intuitivos se tivermos consciência de um outro aspecto.
É que, embora também existam professores que pareçam não o ter ainda descoberto (e que, por exemplo, podem achar adequado ao seu trabalho e ao dos alunos avaliarem através de testes de cruzinha certo/errado), a Universidade não é propriamente, ou não é suposto ser, um campo de maiores dimensões, onde se joga o mesmo jogo que no Secundário.
O objectivo do jogo deixa de ser sabermos o maior número possível de afirmações proposicionais "certas" (e que só estão certas se foram aquelas), para passar a ser conseguirmos utilizar a miríade de afirmações e interpretações com que ali contactamos (muitas vezes contraditórias), na interpretação e análise de outros casos, que não aqueles que ouvimos e lemos.
Isso trás dois problemazitos:
Por um lado, é necessário desenvolvermos ou refinarmos a capacidade de analisar e criticar as afirmações e interpretações que nos são "ensinadas". E isso exige outras competências, para além das que são privilegiadas no ensino anterior - incluindo algumas que tendem a ser reprimidas, na sala de aula e na sociabilidade, naqueles espaços de lógicas educativas fadados ao sucesso nos rankings.
Por outro, se qualquer pessoa que tenha sido suficientemente bem treinada para memorizar e reproduzir afirmações proposicionais "certas" consegue terminar um curso, a excelência e treino dessa capacidade não lhe garante, por si só, mais do que resultados medianos. E quanto mais essa capacidade tenha sido a base quase exclusiva de anteriores classificações excelentes, mais difícil e traumático será compreender que as exigências são agora outras e, mais ainda, alterar a forma de trabalhar.
Justiça poética?
Não, certamente, para com os próprios alunos.
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