segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Rankings de exames e o exercício do pensamento


A propósito dos recentes rankings de resultados médios de exames no ensino secundário, foi muito (e bem) dito que as escolas particulares que ficam na dianteira têm (ao contrário das escolas públicas) praticamente só alunos sócio-economicamente privilegiados e que, mesmo dentre esses, só aceitam os que se lhes candidatam com melhores resultados anteriores.

Foi também exibida uma notável reportagem televisiva, acerca das negociatas do ensino privado que ( conforme é também comum noutras áreas) verdejam à custa das benesses de dinheiros públicos, de legislação desrespeitada ou refeita à medida e do esvaziamento, por parte do estado, das condições básicas nas suas próprias instituições.

Pelo meio, foram sendo caladas (por desconhecimento ou até porque anarcamente beliscam crenças consensualizadas, acerca da justeza e benignidade intrínsecas dos sistemas de ensino) duas questõezinhas básicas, há muito salientadas pela antropologia/sociologia da educação:

1) que, para além de aquilo que a escola estimula, exige e avalia ser a capacidade quantitativa de reproduzir afirmações consideráveis como as únicas certas, tanto o privilegiar dessa competência (em detrimento de outras) quanto o objecto a que ela se aplica privegiam e impõem, enquanto critério universal de hierarquização de capacidades individuais, aquelas que são valorizadas e auto-atribuídas a grupos sociais específicos, socialmente dominantes;

2) que, mesmo com a massificação da escolaridade e o enorme alargamento do espectro social que nela investe enquanto instrumento de "mobilidade social" para os seus filhos, tanto o grau de valorização, quanto aquilo que valorizam e esperam da escola é significativamente diferente para grupos sociais diversos - e, por estensão não automática, para os indivíduos inseridos em cada um deles que são submetidos à escolarização.

Mas, para lá dessas picuinhices que nos podem pôr a reflectir acerca do que não devemos,  vale também a pena saber deste estudo da Universidade do Porto, que conclui algo de contra-intuitivo, mas que de que muitíssimos professores universitários se apercebem: os alunos de colégios privados tendem a ter piores resultados no ensino superior do que aqueles que são oriundos da escola pública.

A julgar pelas áreas que me são mais próximas, aliás, os topos dos rankings são ainda mais eloquentes.
Por exemplo, os melhores alunos de sempre em antropologia e sociologia andaram na escola pública. Pelo menos um, era trabalhador-estudante. Há casos em que não poderiam pagar as propinas actuais, nem teriam legalmente direito a bolsa.

Estes dados tornam-se menos contra-intuitivos se tivermos consciência de um outro aspecto.
É que, embora também existam professores que pareçam não o ter ainda descoberto (e que, por exemplo, podem achar adequado ao seu trabalho e ao dos alunos avaliarem através de testes de cruzinha certo/errado), a Universidade não é propriamente, ou não é suposto ser, um campo de maiores dimensões, onde se joga o mesmo jogo que no Secundário.
O objectivo do jogo deixa de ser sabermos o maior número possível de afirmações proposicionais "certas" (e que só estão certas se foram aquelas), para passar a ser conseguirmos utilizar a miríade de afirmações e interpretações com que ali contactamos (muitas vezes contraditórias), na interpretação e análise de outros casos, que não aqueles que ouvimos e lemos.

Isso trás dois problemazitos:

Por um lado, é necessário desenvolvermos ou refinarmos a capacidade de analisar e criticar as afirmações e interpretações que nos são "ensinadas". E isso exige outras competências, para além das que são privilegiadas no ensino anterior - incluindo algumas que tendem a ser reprimidas, na sala de aula e na sociabilidade, naqueles espaços de lógicas educativas fadados ao sucesso nos rankings.

Por outro, se qualquer pessoa que tenha sido suficientemente bem treinada para memorizar e reproduzir afirmações proposicionais "certas" consegue terminar um curso, a excelência e treino dessa capacidade não lhe garante, por si só, mais do que resultados medianos. E quanto mais essa capacidade tenha sido a base quase exclusiva de anteriores classificações excelentes, mais difícil e traumático será compreender que as exigências são agora outras e, mais ainda, alterar a forma de trabalhar.

Justiça poética?
Não, certamente, para com os próprios alunos.

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