quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Moçambique a votos, até ver sem tiros


Estão a decorrer, aparentemente menos longe da normalidade do que se esperaria, as eleições autárquicas em Moçambique.

A principal excepção parecem ser os relatos de votantes que se passeiam na Ilha de Moçambique com colecções de cartões de eleitor e, miraculosamente, nunca têm que pôr o dedo na tal tinta indelével (de que eleitores em Quelimane se queixam de sair muito depressa) e, por isso, podem ir saltando de mesa de voto em mesa de voto.

Outras, são a ausência da candidata do pequeno Partido Humanista nos boletins de voto de Nampula, várias ilegais proibições de que jornalistas tenham acesso às Assembleias de Voto e assistam às contagens, ou ainda a detenção na esquadra de Mocuba, durante 4 horas, do director do jornal Savana e de um jornalista do Diário da Zambézia.
Estes, deslocavam-se em reportagem ao Gurué, quando foram mandados prender por um candidato da Frelimo (!), sob a acusação de quererem fazer campanha elitoral em dia de votação (!!), por terem consigo alguns exemplares dos jornais onde trabalham (!!!).

Não há, no entanto, notícia de ataques por parte da Renamo para intimidar as pessoas que pretendem votar - uma hipótese que não era de descartar, apesar desse partido ter declarado que não o faria, por considerar que, tendo eles boicotado as eleições, estas não eram válidas.
Uma curiosa e preocupante declaração, por demonstrar que esta força política continua a considerar, 21 anos depois da guerra civil, que mesmo não detndo nenhuma presidência de município (ao contrário de outro partido da oposição) e apesar de todas as restantes forças políticas e vários grupos de cidadãos terem concorrido, nenhuma eleição é válida se eles se recusarem a participar.

E, sem desvalorizar a importância das autarquias para a vida das pessoas e mesmo para a evolução das atitudes políticas (veja-se o caso da Beira, Deviz Simango e a emergência do MDM), aquilo que afinal acaba por suscitar mais curiosidade neste processo eleitoral é o efeito prático desse boicote, e a forma como as forças políticas poderão reagir, quer a um aumento realmente significativo da abstenção, quer a um seu aumento pouco significativo, ou mesmo redução.

De facto, não sendo de esperar mudanças de vencedores na Beira e Quelimane (MDM) e na grande maioria dos municípios presididos pela Frelimo, as poucas disputas incertas são, claro está, alvo de interesse; mas ainda mais interessante do que a capacidade ou não (já demonstrada nas duas cidades que referi) de o MDM ir buscar votos à Frelimo, será verificar se aquele partido é capaz de capitalizar ou não uma parte muito significativa dos habituais votantes da ausente Renamo, em detrimento da abstenção.

Á actual situação de tensão (para usar um eufemismo), a repulsa das pessoas perante a hipótese de uma guerra e o discurso desde início anti-belicista do MDM fazem suspeitar que, muito provavelmente, conseguirá fazer essa capitaliazação.

Mas (de novo sem desvalorizar as próprias autarquias e as eleições autárquicas) a importância da relevância ou irrelevância numérica do boicote da Renamo não se esgotam, naquilo que mais interessará para o futuro próximo e para a resolução da situação actual, com o fecho das urnas.

Um pouco provável aumento dramático da abstenção teria um resultado político razoavelmente expectável: uma legitimação do peso político e opções da Renamo e um arrefecer dos ânimos que, para os lados frelimistas, mais entusiasmados estejam numa solução castrense para as contradições políticas existentes.

No caso de uma alteração pouco relevante da abstenção, com previsível capitalização por parte do MDM, contudo, as consequências políticas são mais imprevisíveis.
A Renamo tanto pode assumir esse facto como uma demonstração de falta de apoio às suas tácticas do último ano, questionando-se e questionando a sua liderança (ou, pelo menos, o estilo da mesma), como pode, à imagem do que aconteceu em cada mau resultado eleitoral anterior, reduzi-lo a uma aldrabice eleitoral, radicalizando ainda mais a atitude.
Por sua vez, a Frelimo tanto poderá capitalizar essa vantagem enquanto trunfo para uma solução negocial da actual crise politico-militar, como poderá ver nela um sinal de irrelevância e ilegitimidade do oponente, e ser tentada a uma "solução final" pela força - com dinâmica imprevisível, mas com previsíveis consequências desastrosas para a população e para a "musculação" da frágil vivência democrática.
O MDM sairá sempre bem deste cenário. Quanto ao povo moçambicano, isso já não é certo.

(foto de António Zefanias, retirada daqui)


Mais uma informação de relevante "excepção à normalidade", aqui

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