sábado, 31 de outubro de 2009

Moçambique: primeiros resultados definitivos


Os resultados das eleições moçambicanas apurados até hoje (disponíveis aqui, e apresentados no mapa acima, que pode aumentar clicando na imagem) correspondem a 69% das mesas para as legislativas e a 72% das presidenciais.
Integram já 3 círculos eleitorais com dados definitivos.

Se o método de proporcionalidade utilizado é, conforme julgo, semelhante ao português, estão eleitos os seguintes deputados:

Maputo cidade - Frelimo 14; MDM 3; Renamo 1

Sofala - Frelimo 11; MDM 5; Renamo 4

Maputo província (onde a CNE não deixou o MDM concorrer) - Frelimo 15; Renamo 1
Tendo como indicador os resultados das presidenciais, se o MDM tivesse concorrido neste círculo elegeria 1 deputado, em vez da Renamo.

Se os resultados finais em Inhambane e Niassa não foram muito diferentes dos actuais, o MDM não elegerá mais deputados.

Nota de leitura do mapa: em cada círculo eleitoral, as colunas a vermelho correspondem a Guebuza (a cheio) e à Frelimo; as colunas a azul correspondem a Simango (a cheio) e ao MDM, onde este concorreu; as colunas a amarelo correspondem a Dhlakama (a cheio) e à Renamo.

Não havia nexexidade!



Ó meus amigozezeze... Hum!...

Então não bastava uma actualização de recenseamento com problemas técnicos regionalmente selectivos e a exclusão do papão de quase todos os círculos eleitoraizezeze?

Logo agora, no fim do par de dias do programa a que os teleobservadores internacionais puderam assistir, vão fazer um sequéteche destezezeze?

Vão-se pôr a anular votos no tal Simango com dedadas da tal tinta indelével que só vocês têm e com que as pessoas têm de pintalgar o dedo depois de votaremzeze? E com bufos da televisão na sala? E nunca ouviram falar de impressões digitaizezeze?

Não havia nexexidade!

Os chefes é que são bons artistas! Deixem essas coisas pare elezeze!

Não havia nexexidade....

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Primeiros milhos


Ainda são conhecidos poucos resultados das eleições moçambicanas (disponíveis aqui, por cortesia do Carlos Serra): 16% das mesas quanto à votação para o parlamento e 19% quanto às presidenciais.

Também só nas duas maiores cidades e nas duas províncias mais a sul (que, tal como a cidade de Maputo, são as zonas mais fortes da Frelimo) os dados ultrapassam 25% das mesas.

Com todas as reservas que tão poucos dados aconselham, já se justificam alguns comentários.

1 - A esperada vitória da Frelimo e de Armando Guebuza deverá ser bastante substancial. De momento, está em torno dos 75% mas, mesmo com as alterações que irão ser provocadas pelo escrutínio das zonas que lhes são mais adversas, é muito provável que fiquem acima dos 2/3.

2 - Deviz Simango e o MDM estão agora em segundo lugar, mas Dhlakama surge bem mais forte da Zambézia para norte, pelo que (dado o peso eleitoral dessa província e de Nampula, e visto que só aí estão escrutinadas 10,6% das mesas) é provável que a situação se inverta.

3 - Para um partido recente e que só foi autorizado a concorrer em 4 círculos eleitorais, o MDM está a obter um score impressionante: 20% em Maputo, 37% em Sofala e 9% na muito frelimista província de Inhambane (ainda não há dados do Niassa).
Se as actuais tendências se mantiverem, o MDM poderá eleger de 11 a 14 deputados (a que se poderá eventualmente juntar outro pelo Niassa, embora as votações nas províncias limítrofes não lhe sejam nada favoráveis). Ou seja, pode eleger 16 a 22% dos deputados dos círculos onde pôde concorrer.

4 - Ao contrário do que eu esperava (pois os eleitores contavam com a reeleição de Guebuza e apostavam na diferença que os deputados do MDM poderiam fazer no parlamento), Deviz Simango está a ter sistematicamente uma votação mais alta que a do seu partido, nos círculos onde este foi autorizado a concorrer.
Essa diferença é na ordem dos 2 pontos percentuais e parece vir de votantes da Frelimo em Inhambane, de votantes da Renamo em Maputo e de ambos os partidos em Sofala.

5 - Embora existam muito poucos dados do norte do país, Guebuza diminui a sua votação à medida que nos aproximamos do centro, acontecendo o contrário com a votação de Dhlakama e com a vantagem que este obtém sobre Simango.
No centro, Tete mantém-se um baluarte da Frelimo, enquanto Simango esmaga Dhlakama em Sofala e fica a pouca distância em Manica.
No sul frelimista, Simango tem uma votação sistemática e significativamente superior à de Dhlakama.

6 - Simango não conseguiu entrar em força na províncias mais populosas do norte do país. Mas, aí, foi buscar votos tanto à Renamo quanto à Frelimo.
O mesmo acontece aliás em Manica, embora aí já tenha chegado aos 12%.
No sul, os seus resultados vêm de pessoas que votaram Frelimo, excepto em Maputo (cidade e província) onde de novo capitaliza pessoas que votaram em ambos os seus oponentes.

Esperemos, agora, por mais dados.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

News from the Far South

Reflexões Ociosas - 4

É verdade que eu sou novo nesta coisa dos blogs.
Mas, mais de 2 anos depois, continuo sem perceber onde reside o prazer de chamar "filhos-da-puta" e "vómitos" àqueles de quem se discorda, ou que carências vem isso suprir.

Entre a esperança e a incredulidade (back-up)

Passados os seus 5 minutos de fama, aqui reproduzo o texto ontem postado no Arrastão.
Fica acompanhado do respectivo "rabisco" do Pedro Vieira, que muito agradeço.


Moçambique vai hoje às urnas.
Provavelmente, com bastante menos entusiasmo que iria há mês e meio atrás.

A expectativa que então se sentia em Maputo e na Beira era, de facto, justificada.

Desde há 17 anos (com o fim da guerra civil e a substituição de um regime que se considerava socialista pelo multipartidarismo e políticas neo-liberais) que as muitas mudanças ocorridas são sentidas como “mais do mesmo”.

A oligarquia governativa não se alterou, criando algo que nem as mais caricaturais visões de Marx puderam imaginar. O Estado não é «o conselho de administração delegado da burguesia», mas o próprio posto de trabalho dos maiores empresários – que o são porque já ocupavam o poder, e que o ocupavam por terem ajudado a conquistar a independência.

Entretanto, o país tem mais ONGs registadas do que médicos, vive fundamentalmente da recirculação do dinheiro vindo do exterior (através das ONGs ou do Orçamento Geral do Estado, custeado na sua maioria por governos estrangeiros) e é enorme o contraste entre um Maputo com melhor parque automóvel que Lisboa e o resto do país, onde a 20Km de uma vila já não há nada para comprar.

Mas também a capital vive a duas velocidades, entre os restritos salários mais altos que na Europa e a ausência de empregos – que, a existirem, podem pagar entre 25 e 50 euros.
Nos bairros populares, a maioria das famílias contam com alguém que revende, na rua, alguma coisa às restantes.

Contudo, o desagrado popular com uma elite político-económica que «come sozinha» e «não liga às nossas necessidades» não tem encontrado alternativas.

O peso parlamentar da Renamo foi-se paulatinamente erodindo ao longo das sucessivas eleições, em grande medida por não ser vista como alternativa a um governo de direita com retórica popular.
Mas também por insistir num discurso agressivo, violento e revanchista, que desperta receios e memórias urbanas das barbáries da guerra civil que a opôs à Frelimo e que toda a gente quer sepultar no passado.

O sentimento popular (e dos políticos) de que ficaria sempre tudo na mesma foi, no entanto, abalado nas últimas eleições autárquicas.
A reeleição de Deviz Simango – presidente do município da Beira que transformou uma das cidades mais sujas de África na mais limpa do país – foi vetada pela direcção da Renamo, devido a queixas de notáveis partidários locais, por ele lhes recusar favorecimentos ilegais. Recandidatou-se como independente e reforçou muito o seu resultado, também à custa de 17% das pessoas que votaram Frelimo para a Assembleia Municipal.

Foi, para o cidadão comum, a Frelimo e a Renamo, a descoberta de que os votantes não são propriedade dos partidos e de que não há baluartes eleitorais eternos.

Desta dinâmica local veio a nascer um novo partido (MDM), que despertou um inusitado entusiasmo quer na frelimista Maputo (sobretudo entre os menos idosos e as classes médias emergentes), quer nas renamistas zonas rurais do centro do país.
Mais curiosa ainda é a generalizada simpatia nas zonas pobres das cidades, mesmo entre os velhos votantes dos partidos tradicionais e que neles continuarão a votar.

O que está em causa não são grandes opções ideológicas – que talvez o próprio MDM não tenha.
O conciliador e pacífico discurso de Deviz Simango centra-se na honestidade, na competência e na distribuição mais justa (em termos sociais e regionais) do dinheiro e meios que entram no país.
Mas é isso que as pessoas querem ouvir.
E é isso que não acreditariam, se fosse outra pessoa a dizer.

Com tudo isto, o MDM representou até há bom pouco a esperança real de uma alternativa àquilo que de mais desagradável as pessoas encontravam no governo e na oposição.

Entretanto, a actualização do recenseamento encontrou, nas zonas centro-norte, sistemáticas dificuldades técnicas a que foi poupado nas mais fortes zonas da Frelimo.
Em seguida, a CNE excluiu o MDM de 9 dos 13 círculos eleitorais, num processo de contornos obscuros que suscitou queixas judiciais de extravio de documentos de legalização das candidaturas…

Há dois meses, discutia-se em Maputo a possibilidade bem real de que, roubando votos a ambos os lados, o MDM retirasse à Frelimo a maioria absoluta, forçando-a pela primeira vez a negociar a governação e revolucionando a vida política do país.

Hoje em dia, sem que a esperança colocada num futuro mais longínquo pareça ter esmorecido, discute-se se a Frelimo não conseguirá os 2/3 que lhe permitiriam alterar sozinha a Constituição.


PS: um bom local para ir sabendo dados do escrutínio é aqui.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

É a glória bloguística!

Apenas por hoje, o Antropocoiso mudou-se para o Arrastão.

Conforme imaginam, tendo em conta o dia, a coisa tem a ver com as eleições moçambicanas.

O meu «obrigado» pelo convite e, já agora, dêem uma voltinha pelos posts dos donos da casa.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

O poder dos desabafos

Há dois efeitos muito interessantes das declarações de José Saramago sobre o Antigo Testamento:

1 - A igreja católica sentiu a necessidade de lançar os seus melhores cérebros para expor nos jornais as suas mais elaboradas exegeses acerca de temas como (pasme-se) a relação do discurso religioso com a violência.

2 - Descobrimos que, de repente, toda a gente leu atentamente a Bíblia, com destaque para os comentadores ateus. E (nos últimos dias) que todos conheciam de gingeira o Cântico dos Cânticos - que parece ter vindo ocupar, assim, o espaço e importância erótica que o canto da Ilha dos Amores desempenhava para os adolescentes da geração dos nossos pais. Qualquer dia, pode ser que alguém até saiba a que personagens está ligada essa bela peça literária.

É um facto. Os desabafos de algumas (poucas) pessoas têm um poder extraordinário.

domingo, 25 de outubro de 2009

Quando piso em folhas secas...

Dei comigo a debater com a minha senhora, softly & kindly mas às duas da manhã, se a mangueira que plantei num vaso (e que, portanto, virá eventualmente a ser uma árvore que dá mangas, e não um tubo de plástico com um buraco no meio, de onde esguicha água) deveria continuar a viver na varanda ou, tendo em conta o frio que se anuncia, dar abrigo dentro de casa às suas 8 soberbas folhas, mais as 3 despontantes.

De certa e perversa forma, não deixa de ser tranquilizante que questões como esta mereçam ser faladas.

sábado, 24 de outubro de 2009

Coisas que a gente diz

A pedido de um jornalista do Público, comentei da forma que se segue as expectativas em relação às eleições moçambicanas e à eventual erosão eleitoral da Renamo.

Alguém quer comentar? Acrescentar? Rebater? Insultar?

«A grande incógnita, quanto ao desgaste eleitoral da Renamo mas também da Frelimo, é o MDM de Deviz Simango.
É impressionante o apoio que suscitou quer em Sofala, zona forte da Renamo, quer nos jovens e classes médias emergentes do grande Maputo.

Mas, mesmo nas pessoas mais velhas das camadas pobres que continuarão a votar nos seus partidos de sempre, desperta simpatia o seu discurso sem agressividade, baseado na honestidade, competência, diálogo e distribuição mais justa dos recursos que inundam o país.
Toca, afinal, o que desagrada às pessoas nos dois partidos habituais, mas para que não viam alternativa: uma governação que lhes parece arrogante, predatória e desigual, e uma oposição que lhes parece agressiva e inconsequente.

O desgaste de ambos será, contudo, minimizado pela polémica exclusão, pela CNE, do MDM em quase ¾ dos círculos eleitorais.
Se antes disso fazia sentido discutir o possível fim da maioria absoluta da Frelimo, hoje discute-se se (sobretudo após uma também muito polémica actualização dos cadernos eleitorais) ela não conseguirá a maioria de 2/3 que lhe permitiria mudar sozinha a Constituição.»

(na foto, o meu "sobrinho" De Wilde)

Mass murder

3 grandes cantores e uma óptima banda assassinados por um técnico de som, ontem, no Campo Pequeno.

Ou, como a certa altura gritou uma senhora perto de mim, «O som está uma merda!»

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

O regresso do pangolim

Ora aqui está, directamente chegada do blog do Carlos Serra, a prova de que o MDM de Deviz Simango é um partido verdadeiramente popular, e não uma elocubração de intelectuais urbanos!

Note-se entretanto que o Régulo Luís, no centro da notícia, é uma personagem de enorme influência popular e importância política no centro de Moçambique.
E que certas figuras públicas têm que fazer as suas declarações de apoio político de forma ambígua, mas claramente compreensível pelos seus destinatários.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

O que um homem não tem que fazer para ganhar a vidinha...



Bem menos sábio e experiente a lidar com evidências desagradáveis do que a velha igreja católica, o eurodeputado Mário David, eleito pelo PSD, pediu a José Saramago que se auto-excumungasse de membro da nação portuguesa, por ter «vergonha de o ter como compatriota».

Mas, depois de ler, sobreveio-me um ataque de caridade cristã.
O que um homem não tem que fazer para ganhar a vidinha!...

Assim, até perdi a vontade de pedir ao sr. eurodeputado que fizesse isso mesmo, pelas mesmíssimas razões.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

E não é que o homem é capaz de ter razão?

Imaginem que, algures no último milénio e até há uns 50 anos atrás, alguém escrevia um livro onde, entre outras peripécias picarescas:

- Um respeitado chefe de família e de comunidade tivesse o hábito de copular com a criada em cima da barriga da esposa;

- A nora de outro respeitado chefe de família e comunidade, a quem o marido não queria engravidar, se vestisse de prostituta e engatasse o sogro, saído em viagem de negócios;

- Uma cidade fosse destruída por um cataclismo de que só se salvava a família do único homem justo, sendo que a esposa dele (que durante décadas resistira ao deboche generalizado) era morta por a sua curiosidade a fazer olhar para trás, enquanto as filhas o embriagavam e violavam repetidamente, para que as engravidasse?

- A nação heroína do livro conquistasse uma cidade, massacrasse todos homens enquanto estavam acamados e escravizasse todas as mulheres, por ter conseguido convencer o rei local a casar-se com a sua princesa, o que obrigava a que ele e todos os seus fossem circuncisados;

- Os príncipes dessa nação vendessem um irmão como escravo, por inveja, e convencessem o choroso pai de que ele tinha sido comido por animais ferozes;

- O senhor da primeira peripécia decidisse degolar o filho, por andar a ouvir vozes.

O que teria acontecido ao livro e ao seu autor?

Será que alguém diria dele que era "um manual de maus costumes e um catálogo do pior da natureza humana"?
Será que alguém diria, como o tal juíz norte-americano, que "reconhece a pornografia quando a vê"?

Vem isto, claro, a propósito da polémica acerca das polémicas palavras de José Saramago, no lançamento do seu novo livro Caím.

(aqui, aqui, aqui ...)

sábado, 17 de outubro de 2009

As extraordinárias eleições em Moçambique


Na véspera das eleições moçambicanas, este ano marcadas por muitas polémicas e um novo partido que ameaça quebrar a rotina da bipolaridade (sim... também nesse sentido) Frelimo/Renamo, vi finalmente hoje um artigo sobre o assunto num jornal português.

É claro que a minha atenção àquilo que se vai passando em Moçambique é uns milhões de vezes maior do que a daquele senhor mítico a que se chama "português médio".
Mas, mesmo assim, espanta-me este desinteresse mediático, tendo em conta o espaço dos PALOP nos nossos afectos e imaginário - ou, quanto mais não fosse, o facto de Portugal ser um dos países que, a partir dos impostos dos seus cidadãos, pagam quase 2/3 do Orçamento Geral do Estado moçambicano...

Dado este silêncio, talvez tenham interesse em saber que, daqui a uns 10 dias, vão haver eleições para o Presidente da República, para o Parlamento e para os novos orgãos de governação intermédia, as Assembleias Provinciais.

Para além dos inefáveis Frelimo, Renamo, Guebuza e Dlhakama, a grande novidade é a candidatura de Deviz Simango (cuja vitória no município da Beira, como independente, foi um autêntico terramoto político para o status quo - ver aqui e aqui) e do seu novo partido MDM que, com uma imagem de honestidade e um discurso completamente novos, suscitou uma onda de interesse e simpatia - sobretudo nas cidades, entre os jovens e nas zonas rurais do centro do país - provocando um enorme nervosismo nos dois partidos instalados. (aqui)

Simango foi objecto de um ataque a tiro por parte da Renamo (aqui) e de ataques a sedes (aqui) e cenas escabrosas organizadas pela Frelimo. (aqui)

Mas aquilo que parece ter sido mais escabroso foi a exclusão, pala CNE, das listas do MDM para 9 dos 13 círculos eleitorais, devido a supostamente não ter sido entregue alguma documentação relativa a vários candidatos e suplentes. (aqui e aqui)
Uma exclusão que foi objecto de uma reclamação ao Conselho Constitucional (aqui), que não lhe deu provimento porque, acusam os queixosos, decidiu com base em processos enviados pela CNE de que teria sido extraviada parte dos documentos entregues. Disso mesmo foi feita queixa-crime à Procuradoria-Geral da República... (aqui)

Já antes tinha levantado celeuma o facto de a actualização do recenseamento eleitoral ter sido feita com material informático adjudicado a uma empresa de transportes, que só disponibilizou técnicos para repararem as frequentes avarias quando estas se verificavam a sul do rio Save, na zona de maior implantação da Frelimo. (aqui)

Com isto tudo, a Frelimo parece ter afastado o espectro de perder a maioria absoluta (por crescimento do MDM à conta dos dois maiores partidos) e de ter que passar a, pela primeira vez na história, negociar e tomar em conta as posições e opiniões da oposição.
Há mesmo quem pense que, afinal, conseguiu criar as condições para ter 2/3 no Parlamento e poder mudar, sozinha, a Constituição.

Embora Moçambique seja a única coisa que o BM, o FMI e a indústria de cooperação podem apresentar como suposto bom exemplo (pelo que as consequências não devem vir a ser muitas), estas eleições estão já feridas de enormes dúvidas quanto à sua transparência e justeza.

Mas, mesmo assim, tudo isto tem um certo interesse noticioso, ou será que não?
Sugiro que acompanhem os desenvolvimentos através do blog de Carlos Serra.

Adenda: Com essa mesma origem, está disponível aqui um dossier das notícias eleitorais do jornal Savana. Muito interessante, mesmo.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Maitê d'Arc

(cartoon de António Jorge Gonçalves, no Inimigo Público)

De facto, já não há pachorra para tanta indignação com tão transcendente assunto.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

O homem superou-se

O Futebol Clube do Porto conseguiu golear esta noite o Adicense, qualificando-se para o play-off de acesso ao Campeonato Nacional de Futebol após uma suada fase de apuramento, face a gigantes como o Campomaiorense ou a Académica.

Questionado acerca dos possíveis adversários nesta nova fase (o Olivais e Moscavide, o Lusitano de Évora, o Esperança de Lagos e o Grupo Excorsionista Amigos do Tinto), o treinador estremeceu e respondeu filosoficamente: «Agora, venha o diabo e escolha!».

Para compreender Moçambique, com muito prazer

Eu bem sei que pareço um vendedor de enciclopédias, mas não resisto a armar-me em serviço público e divulgar sumariamente, a quem não conhece, a anterior obra literária do João Paulo Borges Coelho, meu escritor moçambicano favorito (desculpem lá, fãs do Mia Couto e da Paulina Chiziane...).

As Duas Sombras do Rio (2003)
O meu preferido, ainda.
A guerra civil contada no Zambeze, junto à fronteira do país e por sobre a água que separa as terras do "povo da cobra" e do "povo do leão".
Quando para se ser historiador se tem que fazer trabalho de antropólogo, e se sabe contar e escrever muitíssimo bem, o resultado é este.

As visitas do Dr. Valdez (2004)
A reconfiguração pós-independência da vida e da memória, vista do crepúsculo de duas irmãs, amenizado pelas visitas que faz a uma delas, já senil, o falecido Dr. Valdez, protagonizado pelo jovem criado que cresceu na casa.
Recebeu o Prémio Craveirinha.

Índicos Indícios (2005)
Dois volumes de contos (Setentrião e Meridião) que acompanham a costa moçambicana de norte a sul. Para lá do interesse de cada conto e das personagens por vezes fascinantes e nunca maniqueístas, juntos mostram a rica diversidade do país.
Mais uma bela obra de histório-antropo-escritor.

Crónica da Rua 513.2 (2006)
Outro dos meus mais favoritos, apesar de haver quem ache lá a mais a presença de fantasmas e espíritos não metafóricos. A debandada portuguesa, a fase de transição e o imediato pós-independência, no espaço sempre público de uma rua apontada à baía de Maputo e de onde as famílias de pescadores a as peles mais escuras tinham estado excluídas.

Campo de Trânsito (2007)
Um livro corajoso mas que se obrigou a ser, por vezes, alegórico, acerca de um trauma colectivo que apenas os posteriores horrores da guerra civil permitiram secundarizar: os campos de reeducação.
É o único dos seus livros em que alguns diálogos apresentam uma característica muito comum na literatura africana em língua portuguesa: inverossimilhança. Mas neste caso, não por falta de perícia do autor, mas como instrumento da aura alegórica pretendida.

Hinyambaan (2008)
Um irónico relato da viagem de férias de uma família sul-africana, em demanda de Inhambane através do sul de Moçambique actual, com peripécias hilariantes, piscares de olhos ao quotidiano do país e visitas inesperadas.
É o mais leve dos seus livros (até pelo tema) e não sei se terá a mesma piada para quem não conheça Moçambique e os sul-africanos boeres, quando dão por si fora de água. Eu diverti-me imenso.

Esperemos, agora, pelo "Olho de Herzog"...

Adoptem-me, ou morro

Nunca percebi como podemos achar normal que, para um cão, não ter dono seja um crime punível com pena de morte.
Mas é verdade, e é quotidiano.

Eu até tenho mais ternura por rafeiros, e não posso trazer mais nenhum para casa.
Mas talvez esta cadela toda bonita, cuja situação a minha amiga Teresa Sobral me fez chegar, vos amoleça o coração.
Passo a transcrever:

«Cadela Samoiedo (2 anos) em perigo de ser abatida em canil. Branquinha, é uma samoiedo pura, muito meiga, tranquila, óptima para fazer companhia a crianças. Precisa urgentemente de um dono. Contactar Susana Guimarães: 966224204 »

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Agora sim, acredito

É verdade que sou um mero leitor.
Mas é também verdade que a minha maior desilusão literária do ano passado foi o muito badalado Prémio Leya 2008.

Até o abrir, confesso, o lugar era ocupado pela odisseia do elefante do Saramago - que, bem escrita como sempre, não deixou de me lembrar uma versão aumentada e menos conseguida das poucas e belíssimas páginas em que nos contara a viagem daquela monstruosa pedra até Mafra. É chato, quando nos habituámos a esperar bem mais que isso.

Mas, com o pobre do jaguar, tive um encontro bem mais complicado.

Da minha experiência de leitor que, teimoso, insistiu em ir até ao fim e que, optimista, teve até à última página a esperança de vir a ser recompensado por esse esforço, retirei que aquele livro podia bem ter sido dois, sendo que um deles (o da velhice do narrador e das saudades da sua amada esposa) teria ficado melhor servido na gaveta do autor.

O livro que sobraria continuava a não me agradar por aí além.
A isso talvez tenha ajudado uma página temporã com uma digestão apressada de Levy-Bruhl, que o romancista parece não ter reparado estar em contradição com as outras seiscentas e tal.
Ou a permanente presença do bom selvagem, subliminar mesmo quando o texto pretende dizer o contrário.
Ou o mais fulcral dos mitos milenaristas da América do Sul ter sido trabalhado de uma forma tão limitada.
Ou constatar que tantas páginas não tinham levadoa lado nenhum.
Ou, pelo caminho, me ter cruzado com tantos episódios histórica e factualmente fascinantes e, de cada vez, ter parado a imaginar o que um bom escritor teria conseguido fazer com cada um deles.
Enfim... Já viram que foi traumático e perdi todo o interesse e consideração pelo tal de Prémio Leya.

Há um bocado, no entanto, li numa minúscula notícia, a um canto do Público on-line, que o premiado deste ano é o João Paulo Borges Coelho.

Gosto muitíssimo dele, quer como historiador, quer como pessoa, quer como escritor.
E gostei de todos os seus livros - embora, claro, não de todos por igual.

O meu favorito (desculpa lá, João Paulo) é o primeiro, "As Duas Sombras do Rio".
Aquele de cujo estilo gostei menos, pelo excesso de alegoria num tema tão forte, foi o "Campo de Trânsito". Mas sei, também, até que ponto escrever acerca daquela realidade recente, por muito ar de fábula com que se o faça, é um acto de coragem. E sei que, mesmo sendo o meu menos favorito, é um muito bom livro.

Ou seja: ou o João Paulo desaprendeu repentinamente de escrever e isso agradou ao júri, ou este premiado "O Olho de Hertzog" é mais um daqueles livros pelos quais se justifica esperar com impaciência.

O que me permite voltar a acreditar no Prémio Leya e, suponho, comprar o premiado do ano que vem.
Porque, quanto ao deste ano, não precisaria de prémio nenhum para correr a comprá-lo.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Mais antropovistas

O Antropovistas recebeu mais uma série de fotos do Luís Patta, na Tailândia.

Pela minha parte, contribuí com uma de Budapeste e outra de Providence.

Já que perguntas, Miguel...

O meu amigo Miguel Portas pergunta urbi et orbis, lá pelos facebooks, o que é que os outros pensam que o Bloco de Esquerda deve aprender com a derrota nas autárquicas.
Já que ele pergunta e que eu me puz para lá a responder desalmadamente, aproveito para transcrever aqui no Antropocoiso:

Em Lisboa, as pessoas que votaram BE e CDU para a Assembleia Municipal e PS para a Câmara Municipal (6.062 e 5.402, respectivamente) representarão na maioria dos casos voto útil contra Pedro Santana Lopes - embora não representam só isso, particularmente, creio, no caso do BE.
Mas, para além desses, a votação do António Costa também só é possível por deslocação de anteriores votantes do BE que, agora, votaram PS para ambos os orgãos.

Nessas coisas, os candidatos contam. Por exemplo, eu nunca votei no Sá Fernandes, por lhe achar uma visão passadista da cidade, apesar dos aspectos muito positivos que tanto ele como o programa tinham.
Mas a questão desta fuga de votos não terá muito a ver, creio, especificamente com a figura do Luís Fazenda.

Também me parece que a ruptura do BE com Sá Fernandes terá acabado por não pesar muito nos resultados.
Mas senti desagrado, em muita gente, com duas coisas que aconteceram na campanha eleitoral:

(1) a recusa de Luís Fazenda em assumir pelouros, independentemente dos resultados.
«Vai lá para se armar em justiceiro, tipo Sá Fernandes inicial nº2, para denunciar o peso dos interesses económicos no PS, em vez de os contrariar e construir uma plataforma de futuro?»
Não é isso que as pessoas querem, numa altura em que há tantas coisas sensíveis para decidir acerca da cidade, e desejam influenciar as decisões na melhor direcção.
Querem boas decisões para a zona ribeirinha, o aeroporto e a mobilidade, e não a denúncia a posteriori de más decisões do PS.

(2) A omnipresença de Francisco Louçã e o apagamento mediático dos candidatos, num partido que construiu a sua imagem e atractividade com base na diversidade de competências e de alternativas possíveis de indivíduos.
Essa técnica resultou na fase inicial do consulado de Paulo Portas no CDS, mas em grande medida por isso reforçar a imagem de salvador da pátria, isto num partido de direita (que gosta dessas coisas) e que parecia não ter mais ninguém.
No BE, uma situação destas projecta duas impressões para o eleitor comum: Ou a liderança do Bloco acha que os candidatos não são competentes, ou aquilo deixou de ser um espaço plural e vital, para se transformar num feudo do coordenador.
Ambas as sensações são muito desagradáveis para aquele potencial votante do BE que não anda com a bandeira às costas. Em Lisboa e no resto do país.

Em termos mais gerais, a lógica do votante autárquico é muito mais pragmática e virada para resultados concretos do que em quaisquer outras eleições.
Isso pode transcender opções políticas e (como se viu casos de Isaltino Morais e de Valentim Loureiro) até morais.

O candidato que assume que não quer resolver (e subordina isso a questões políticas gerais), ou não convence o eleitor de que é capaz de resolver, "está fora".
A segunda questão (a credibilidade) ganha-se por demonstração prática de capacidade, ou pela criação de uma imagem forte de que essa capacidade existe, mesmo se não teve ainda oportunidade de ser demonstrada.
Quanto à primeira questão, se não é para resolver aquilo que pode ser resolvido no delimitado âmbito autárquico, porque é que se há de votar nele?
E, talvez mais importante, para que é que se concorre?

Noite eleitoral - 2


Com 4 freguesias de Lisboa por apurar, António Costa vai ter, afinal, uma vitória bem menos folgada e vai ficar a devê-la ao "voto útil" de pessoas que votaram CDU ou BE para a Assembleia Municipal.

Tem 3,5% de vantagem sobre Santana Lopes (43,2% contra 39,7%) e recebeu 2% de votantes da CDU e 2,2% de votantes do BE.

Espero que não se esqueça disso.

domingo, 11 de outubro de 2009

Noite eleitoral


Coisas que me alegraram:

- Santana Lopes não ganhou a Câmara de Lisboa. A memória não é assim tão curta.

- Dois Presidentes da Câmara condenados em tribunal, por corrupção e abuso de poder, perderam as eleições.

Coisas que me entristeceram:

- É bem possível que, com o toque a rebate contra Santana Lopes, António Costa venha a conseguir a maioria absoluta. É quase sempre uma má situação, mais preocupante quando existem tantas coisas polémicas para decidir nos próximos anos.

- Dois Presidentes de Câmara condenados em tribunal, por corrupção e abuso de poder, ganharam as eleições e foram reconduzidos.

- Há quem seja capaz de matar adversários por causa disto.

Mais logo ou amanhã, conto discutir aqui como votaram os lisboetas, nas europeias, nas legislativas e nas autárquicas (para a Câmara, para a Assembleia Municipal e para as Assembleias de Freguesia - três casos em que as diferenças são muito marcadas).

No último do Luís Sepúlveda

«Se na queda o gira-discos não tivesse encontrado outra resistência além do ar húmido de uma noite invernosa, a pancada teria sido muito mais feroz e a estrutura geométrica desenhada pelos engenheiros alemães, nem adequada nem desenhada para suportar semelhantes choques, após um estremecimento atómico, a traição da cola, o divórcio dos encaixes e a fuga dos pregos sem cabeça que a suportavam, não passaria de um monte de estilhaços disseminados pelo passeio molhado. Mas o gira-discos foi travado pela cabeça de um sujeito que, tendo toda a cidade para se mover, escolheu aquela rua, aquela noite de chuva e aquele instante de fatalidade vertical.»

(in A sombra do que fomos, p.22)

Quando o leitor usa sistematicamente, nas suas aulas sobre o absurdo da incerteza e a domesticação do aleatório, o exemplo de um piano de cauda que cai de um sétimo andar em cima de um pobre transeunte que não tem nada a ver com o assunto, como não se sentir identificado com o autor?

Ainda vou na página 59.
Mas o livro está óptimo.

sábado, 10 de outubro de 2009

Ó p'ra mim a reflectir!


Já que, nas legislativas, fiz publicidade a um amigo de longa data em quem eu próprio não podia votar por ser de um círculo eleitoral diferente, reincido hoje para as autárquicas.

A este moçoilo para a minha idade, conheço-o há uns 28 anos - e sempre me demonstrou que se pode confiar nele e exerceu as várias coisas que fez com uma particular inteligência e competência.
Por isso, se morasse no concelho de Loures (deus me livre e guarde!...), o meu voto era teu, Paulo Piteira.

Boa sorte e bom trabalho.
(Espero que como presidente da câmara.)
ps: fica-te bem a gravata

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

One Man Show

Esta noite, no encerramento de campanha do Bloco de Esquerda para a Câmara Municipal de Lisboa, foi Francisco Louçã quem falou às televisões, e não o candidato ao cargo que vai ser submetido a sufrágio - que, já agora, se chama Luís Fazenda.
Não o fez para aproveitar a ocasião para uma qualquer mensagem geral e nacional - o que, já de si, teria pouco sentido. Falou de Lisboa.
E, olhando as imagens colhidas durante a iniciativa, parece que toda a gente que lá estava achou isso perfeitamente natural. Talvez por isso se ter vindo a tornar um hábito, desde logo a seguir às eleições europeias.

Impressiona-me, de facto, que um partido nascido e criado com uma direcção colegial tenha, tão rapidamente, passado da liderança pessoal que a substituiu para uma imagem de One Man Show.
Mesmo que isso possa eventualmente resultar de alguma avaliação do diferente impacto mediático (em abstracto) das suas figuras mais conhecidas.

Será que não há espaço para que durem, em Portugal, formas de funcionamento partidário inovadoras?
Ou será que os políticos veteranos só as sabem e querem adoptar quando as correlações de forças a isso obrigam?

Entornando o caldo

Talvez pensando mais no "estado-unidense médio" do que no resto do mundo, Barak Obama achou por bem dizer que a atribuição do Prémio Nobel foi uma “afirmação da liderança americana em nome das expectativas de pessoas em todo o mundo”.

É verdade que, neste contexto, "leadership" pode ser uma palavra ambígua.
Mas mesmo essa ambiguidade chegou para me estragar a digestão.

Cura-tudos hightech




(para a colecção do Carlos Serra)

Extemporâneo, ou estímulo ao cumprimento de promessas?

Barak Obama é, merecidamente, objecto de uma simpatia internacional que talvez nunca tenha sido tão generalizada no caso de qualquer outro político norte-americano.
Da mesma forma que representou para os estado-unidenses a esperança de resolução dos seus problemas domésticos, representou para o resto do mundo a esperança de uma radical mudança nas relações internacionais e de rápida resolução dos problemas criados ou reforçados pela Administração anterior.

Desde a sua tomada de posse, o discurso dos Estados Unidos da América para o mundo mudou para um registo incomparavelmente melhor à era Bush, e nem outra coisa seria de esperar.

No entanto, em concreto, naquilo que à paz e direitos humanos diz respeito, os seus 9 meses de mandato apenas produziram (e, provavelmente, seria difícil que produzissem mais) uma atitude mais aberta para com o Islão, um simpático apelo em relação às armas nucleares, as decisão de encerrar a prisão de Guantanamo e de sair qualquer dia do Iraque, a preparação de um reforço do esforço de guerra no Afeganistão e a condenação do golpe de estado nas Honduras.

Isto é relevante, importante e estimulante.
Mas temos pouco de efectivamente feito e temos a continuação de três problemas cuja resolução mereceria, de facto, a atribuição a Obama do Prémio Nobel da Paz: Iraque, Afeganistão e Palestina - onde, parece-me, os esforços têm sido poucos e na direcção errada.

Ou seja, num ano de curiosas atribuições dos Prémios Nobel, este só pode ser entendido de duas formas: ou como uma decisão extemporânea, ou como um estímulo ao cumprimento de promessas por parte do premiado.
Desejando que, pelo menos, tenha esse efeito, confesso que nenhuma das hipóteses me agrada.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Episódios da vida académica



Com um obrigado à Marta.

Portelando no deserto



Confesso que dá muito jeito ter o aeroporto a 4 euros e um instantinho de distância de casa.

Mas confesso, também, que cada vez que lá aterro me admiro que o aeroporto da Portela seja tão seguro, em termos estatísticos.

Os grandes acidentes, no entanto, estão-se nas tintas para as estatísticas.
Podem acontecer a qualquer momento, por conjugações de factores incontroláveis, e por muito grande que seja a qualidade do controle de tráfego, dos pilotos e da manutenção dos aviões - o que, tem-se visto, nem sempre é o caso.
E é mais descansado não imaginarmos, sequer, as consequências que teria a queda de um avião no centro da cidade, que eles sobrevoam a baixa altitude e em condições difíceis de velocidade e sustentação aerodinâmica.

Não acreditando muito nas projecções hiperbólicas de aumento de tráfego aéreo, aquilo que me leva a concordar (contra a minha própria comodidade) com a substituição da Portela por Alcochete são, por isso, os custos de segurança e poluição sonora que o actual aeroporto representa para quem vive ou trabalha nos vários eixos de aproximação às suas pistas.
Eternizar a situação actual (como alguns sustentaram, no debate de ontem entre os candidatos a Presidente da Câmara de Lisboa) é "estar a pedi-las".

Posto isto, o que me preocupa realmente é o uso que será dado áquele enorme terreno, e o potencial de especulação, tráfego de influências e corrupção que ele representa.

A hipótese de uma grande área verde, proposta por António Costa, é bem-vinda mas, para além de talvez excessiva, parece-me de concretização pouco credível, dados os interesses que rapidamente serão mobilizados.

A sua combinação com a proposta de Ruben de Carvalho, que sugere a implantação de novas indústrias não poluentes (e porque não, também, de outras actividades económicas?), pareceria ter vantagens tanto para a qualidade do local enquanto espaço de emprego, quanto para a sua segurança pública enquanto espaço verde e de lazer.

Mas, sem qualquer desconfiança acerca da seriedade e honestidade pessoais de António Costa, temo muito o poder dos interesses económicos (a começar no interior do seu próprio partido) e decisões extemporâneas avançadas em campanha eleitoral, sem resultarem de um amplo debate público e sobre cujo cumprimento poderemos não ter qualquer tipo de capacidade de controlo.
Parece-me que, conforme sustentou Luís Fazenda, será melhor não ir meter, à pressa, o carro à frente dos bois.

Acabei fazendo um "pleno" sintético das opiniões dos candidatos de esquerda?
Talvez não seja por acaso.

Talvez seja necessário, para se chegar a uma solução credível, de interesse público e resistente à manipulação por parte dos grandes interesses económicos privados, partir do debate e conjugação entre estas forças.
Para aumentar essa resistência aos interesses privados, entretanto, seria vantajoso que o BE e o PCP tivessem na Câmara um peso maior do que aquele que é agora previsível, por efeito da ameaça de virmos a ter o menino guerreiro como "prrresidente da junta".

Ou seja que, começando o debate desde já, as decisões fossem deixadas para daqui a 4 anos, por exemplo.
E iriam bem a tempo.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Nada se aprende

Hoje ao almoço, pousado na mesa ao lado, estava um número do Diário Económico.

Lancei-lhe um olhar e pensei que era de há uns dois anos atrás.
Mas confirmei que não, era mesmo de hoje.

Um dos títulos dizia «Bolsas ignoram alertas de gurus da economia sobre perigos da especulação».

Parece que o final deste vídeo era francamente premonitório...

terça-feira, 6 de outubro de 2009

O triunfo da tecnologia na ciência


O Prémio Nobel da Física deste ano foi atribuído ao descobridor da fibra óptica (Charles Kao) e aos inventores do sensor que serve de "olho" às actuais máquinas fotográficas digitais (William Boyle e George Smith).

Das duas uma: ou não há mais ninguém vivo cujo trabalho em física fundamental seja merecedor de um Prémio Nobel (o que de facto custa a crer); ou o júri quiz atribuir cartas de nobreza à investigação aplicada - tanto em tecnologia, quanto em negócios.

É óbvio que a fibra óptica veio exponenciar a capacidade de transmissão de dados e o negócio a ela associado, com isso exponenciando outras actividades humanas, incluindo a científica.
É óbvio, também, que os sensores digitais não vieram apenas revolucionar a captação e consumo de imagens e o negócio que lhes está associado, tendo também potenciado outras aplicações tecnológicas - incluindo, de novo, no campo científico.

Também nada tenho, claro, contra a aplicabilidade do trabalho científico e, menos ainda, contra o seu uso em benefício da vida das pessoas. Aliás, mesmo que tivesse, o mundo estar-se-ia nas tintas para isso e teria razão.

Mas premiar estas descobertas que visaram aplicações tecnológicas e comerciais, em detrimento da compreensão do mundo, parece-me mais do que um desvirtuar do espírito do prémio.
Ou, até, mais do que uma dignificação da pesquisa aplicada.
Soa-me, sobretudo, a uma legitimação da cada vez maior submissão do trabalho científico aos princípios do utilitarismo tecnológico e económico.

E não gostaria de viver num mundo em que todos os físicos acabassem em engenheiros.
Até porque, se a modéstia e capacidade auto-reflexiva são limitadas no campo da ciência, são quase inexistentes no campo da tecnologia.
E, lá, a capacidade de fazer mal é muito superior.

domingo, 4 de outubro de 2009

Si se calla Mercedes...

...lloramos nosotros



Mercedes Sosa faleceu hoje, depois de 74 anos aos quais muita gente deve muito e de uma doença renal.

Daquilo que representa para mim, podem fazer uma ideia a partir das suas presenças aí na coluna da direita, ou aqui.
No entanto, a notícia (por muito que fosse esperada, já há uns tempos) perturbou-me particularmente por ter chegado no dia em que um amigo me mandou um vídeo sobre o 11 de Setembro de 1973.

Acerca do que esse vídeo me suscitou e fez lembrar (incluindo do meu próprio 11/9/2001 e de todos os que se lhe seguiram), talvez vos fale um dia destes.
Mas uma das primeiras expressões políticas que lá aparece é "dignidade". Aquela demanda e gatilho tão fulcrais nos sonhos e na acção dos todos da sua cancion. E de que ela foi voz.

'Tá bêim,abêlha

Descansem os mais preocupados com a probidade dos nossos governantes e a saúde da nossa democracia!

O nosso primeiro Sócrates de Sousa nada tem a ver, nem ouviu falar, do descarado e bem pago favorecimento a uma tal de HCL para construtora da Estação de Tratamento de Resíduos Sólidos da Associação de Municípios da Cova da Beira, quando ele era Secretário de Estado do Ambiente, de cujos serviços dependia a aprovação da coisa.
Não terá, por isso recebido os tais 750 mil euros.
Aliás, nem conhecia o tal engenheiro António Morais até ele o passar a 4 cadeiras por fax, no mesmo ano em que a sua desconhecida empresa ASM foi escolhida para acessorar a questão e, diz a acusação, receber mais de 50 mil euros de "luvas".

Descansem, portanto.
Se o nosso primeiro disse isso por escrito ao tribunal, é porque certamente é verdade.
Em que mundo estarámos nós, se assim não fosse?

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

O melhor argumento eleitoral de António Costa


É indubitavelmente este senhor e as suas trapalhadas.