terça-feira, 27 de março de 2007

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Já que aparecem em baixo outros posts que partem deste livro, podem clicar aqui e dar uma vista de olhos.

sábado, 24 de março de 2007

Tragédias anunciadas

Lá pelas 11 da noite, um amigo moçambicano "mandou-me um bip". Ou seja, telefonou-me e desligou, para que eu lhe telefonasse de volta.
Servia esta instituição das práticas locais de telecomunicação para me dar os parabéns pelos 4-0 à Bélgica.
Claro que quiz saber dele, da família, dos amigos comuns e de outras notícias acerca da explosão no paiol de Maputo, há 2 dias atrás.
Notícias, não havia muitas. Ou, pelo menos, não eram muito diferentes da sucessão (cada vez mais espaçada) de números crescentes de mortos que os telejornais foram anunciando, ou do terror, sofrimento e progressiva resignação que seriam de imaginar.
O resto, já teria adivinhado quem conheça a situação e a cidade: um qualquer foco inicial de explosão ou incêndio, seguido de uma chuva de velhos rockets e engenhos explosivos obsoletos sobre os bairros em volta, muito densos, de casas pobres e na maioria precárias. Depois, mais explosões, sucedendo-se segundo os humores rabujentos desses velhos engenhos de destruição, espalhando a morte bélica no coração da cidade, em tempo de paz.
Escrevi "coração da cidade" pois, por muitas que possam ser as pessoas querendo restringi-la aos prédios do tempo colonial e às mansões de riquezas recentes, a Maputo que vive como cidade vai muito para além do cimento, espalhando-se pelo "caniço" onde vive a esmagadora maioria dos seus cidadãos - esteja esse "caniço" quase no centro, um pouco mais longe, na periferia ou mesmo para lá do Infulene e das suas fronteiras administrativas.
Este paiol, o material obsoleto que abrigava e as vítimas que fez estão em plena malha urbana.
A pergunta pertinente não é "como é que isto se deu?"; é "como é que se arrastou por tanto tempo uma situação que teria que dar nisto?".
Esta é uma tragédia anunciada. Não por especialistas pagos a peso de ouro, mas por um mínimo de bom senso.
Tal como a foto em cima, de um muito belo e exótico ferry boat , ligando a Inhaca a Maputo.

Após a desmobilização que se seguiu à guerra civil, Moçambique não tem praticamente forças armadas. Tem um número respeitável de generais, coroneis e outros oficiais; mas tropas, poucas. Armamento que possa utilizar munições pesadas, menos ainda.Aquele paiol estaria, basicamente, cheio de lixo - quanto ao prazo de validade e quanto à possibilidade da sua eventual utilização. "Lixo" explosivo é muito mais atreito a acidentes do que material novo, e muito mais incontrolável caso eles ocorram. Infelizmente, e por muito que esteja consciente disso, quem for responsável pela sua guarda tenderá sempre a desvalorizá-lo - porque, afinal, é lixo.É claro que existirão negligências graves na origem imediata desta tragédia. Se é que o calor foi culpado, nenhum responsável pela guarda de tal cocktail se pode limitar a desejar um verão fresco - sobretudo depois de uma outra explosão assim diagnosticada, 2 meses antes.Mas como é que se justifica que esse material continue por destruir, 15 anos depois do fim da guerra civil? Como é que, sobretudo, se justifica o seu armazenamento num paiol no meio da cidade?Há uns 20 anos atrás, não só faria sentido como era uma necessidade - com os combates nocturnos na Catembe a serem visíveis da cidade, e com viaturas a serem alvejadas antes da Matola. Um paiol não poderia sequer estar muito mais longe.Mas porque se mantém ainda ali? Por necessidade de afirmação nacional? Por medo de sequelas de luta armada? Por ausência de alternativas? Por subestimação da ameaça? Por o risco atingir pobres? Por negligência e desleixo?Umas mais plausíveis que outras, todas essas razões são possíveis. Mas, com a enorme facilidade que o país tem para obter doações financeiras do exterior, a negligência é uma certeza incontornável. Negligência dos responsáveis nacionais e negligência das instituições internacionais que, em tudo o resto, metem o nariz.Com isto, a única certeza é que não vale a pena procurar espíritos e feitiços que sejam culpados. Diz a "tradição", legitimadora de tais explicações, que elas só podem ser invocadas quando a negligência está ausente, conforme expliquei aqui.